20.7.06

Amigos de Strauss (XLI) - Sir Thomas Beecham

Citações de Beecham (um pouco de humor brit para variar e porque isto está a chegar ao fim e quarenta e dois retratos é muito retrato até mesmo para quem não os fez.)
"Composers should write tunes that chauffeurs and errand boys can whistle."- "Brass bands are all very well in their place - outdoors and several miles away."- "The English may not like music, but they absolutely love the noise it makes."- "There are two golden rules for an orchestra: start together and finish together. The public doesn't give a damn what goes on in between. " - uma terrível dirigida a uma violoncelista menos dotada "Madam, you have between your legs an instrument capable of giving pleasure to thousands, and all you can do is scratch it!". E por fim, demonstrando espírito, a resposta que deu a Walter Legge sobre a proposta que este lhe fez sobre o salário por todo o trabalho realizado na criação da novíssima Philarmonia Orchestra - "The privilege of directing this magnificent consort of artists is such that my pleasure would be diminished if I accepted a fee. I would, however, gladly accept a decent cigar"
Um verdadeiro "reaça", como bom inglês. Já tinha aqui referido uma citação de Beecham a propósito do escândalo Salomé (ver apontamento sobre Oscar Wilde), e vai na mesma linha destes.
Agora é altura de escrever um pouco sobre Beecham itself e sobre a sua importância no percurso profissional e artístico de Strauss. A vida profissional de Beecham (1879-1961) desde o início do século XX (Sir Thomas desde 1916) até à data da sua morte confunde-se com a vida musical inglesa. No entanto a sua relação com este mundo não foi tão harmónica como se pode imaginar pela quantidade de gravações que nos deixou. A sua relação com outros famosos dirigentes de orquestra foi difícil. Sir Adrian Boult e Sir Henry Wood detestavam-no, Sir John Barbirolli considerava-o indigno de confiança e mesmo os seus colaboradores sofriam; Beecham considerava Karajan "como uma espécie de Sir Malcolm Sargeant", por exemplo. Por outro lado nunca defendeu a música de pilares da música britânica como Elgar, Vaughan Williams, Walton ou Britten, mas Delius deve exclusivamente a saída da obscuridade ao esforço sistemático que Beecham fez da divulgação da sua obra e cujas gravações são ainda referenciais. Por outro lado ainda criou nada mais nada menos do que três orquestras sinfónicas tão importantes como a Royal Philarmonic Orchestra, a New Symphonic Orchestra e a London Philarmonic Orchestra. As suas relações com o mundo eram um pouco melhores do que em casa. Se era rival de Toscanini (particularmente em Puccini), foi um grande apoiante de Furtwängler, Rudolf Kempe e admirado por Fritz Reiner. A sua relação com o reportório era também polémica. Sendo tal como Strauss um Mozartiano refinado, dizia mal de Bach - "demasiado contraponto, e o que é pior; contraponto protestante!" e que "trocaria de bom grado todos os Concertos Brandemburgueses pela Manon de Massenet" e de Beethoven, "que os últimos quartetos compostos quando era surdo deveriam ser ouvidos por pessoas como ele; surdos!", embora fosse um grande interprete deste último e nos tivesse deixado gavações das sinfonias e da Missa Solemnis. De Wagner foi considerado um intérprete de primeira linha mas mostrava um certo desprezo pela extensão e repetição dos temas - "We've been rehearsing for two hours – and we're still playing the same bloody tune!"- Haendel, ao contrário era uma paixão, mas só depois de reorquestrar, cortar e modificar a música, para horror dos puristas e para epicurista delícia de alguns muitos outros. Foi um grande defensor de Salomé e tornou-se amigo de Richard Strauss quando este último veio a londres supervisionar a estreia de Elektra no Convent Garden em 1910. Strauss ficou, nesta ocasião, admirador da perfeição dos ensaios de Beecham o alemão tornou-se num dos compositores modernos mais defendidos por Beecham, o que, conhecendo o pedigree dos gostos de ambos, o espírito mordaz do maestro e o humor de Strauss, não surge como surpresa.
A amizade de Beecham com Strauss foi muito importante depois da segunda guerra mundial. A infrastrutura teatral bombardeada e bens confiscados colocaram o octagenário Strauss em grave crise financeira e numa situação muito mais grave no que no final da primeira guerra. Além do mais encontrava-se sob vigilância do tribunal de desnazificação quando Beecham em Londres, convence as autoridades as dar uma trégua a Strauss e convidá-lo em 1947 a participar durante um mês num festival em sua honra que o inglês organizara entretanto. Para além de Beecham, Strauss conduziu, e pela última vez na sua vida os seus trabalhos; Don Juan, Burleske e a Sinfonia Domestica no Albert Hall; com a BBC gravou o Till Eulenspiegel no dia anterior ao seu retorno à suiça depois de uma verdadeira apoteose londrina e com dinheiro no bolso para passar em conforto os seus últimos meses de vida.

Sem comentários: