16.6.08

MUMTAZ, ultima semana.




Mumtaz expõe na R. do Alecrim. Objectos inclassificáveis. Há na Rua do Alecrim, 39, nesta semana que é a última, um conjunto surpreendente de poesias/objectos que me fizeram quando as vi, lembrar de qulquer coisa que se perdeu na actualidade da arte em Portugal. Uma informalidade transgressiva, uma candura desinibida e desarmante aplicada com suficiente rigor técnico para convencer. O surreal psicadélico volta a atacar.

8.6.08

Meaninglessness



João Pombeiro expõe na Galeria Paulo Amaro por estes dias. Publico o texto da exposição (a visitar).

As indústrias do século auto-analisam-se no desenvolvimento do processo moderno. A relação especular que as produções possuem consigo próprias tornaram-se uma prática recorrente utilizando as mais diversas tácticas e estratégias que, por uma frequente utilização de produções e ciências ou tecnologias exteriores podem, recorrendo a uma arqueologia do instituído, polemizando a história, questionando o sujeito e as estruturas do discurso, as relações de produção, as condições de existência do fenómeno, estabelecer discursos críticos que no entanto vão sendo naturalmente absorvidos pela sistemática produtiva num processo perverso de pré-esvaziamento do reduto potencial da revolta. A industria da arte não foi a excepção e as longas gestas conceptuais do século, enquanto constituindo uma prática seminal ou meramente um exercitar lúdico das suas ferramentas, acabam no seio de um todo que inclui a prática artística mas também a produção pedagógica, crítica e espectacular, por se submeter quase sempre a um destino próprio e sólido de produção fetichista essencial para a formação das relações de poder.
O objecto da minha atenção terá sempre a ver com as origens e os mitos fundadores deste poder soberano. A crítica participa secretamente como cúmplice na construção do mito e deixa de ser actualidade para agir apenas como gesto esvaziado em simulação ou jogo. Neste tabuleiro onde João Pombeiro nos joga nunca é confessado inequivocamente um motivo para a mise-en-scène do crime de lesa-majestade à auto-produção da industria da arte que nos propõe. Talvez lhe subjaza uma verdadeira nostalgia tingida de idealismo na relação do estético com a vida, ou uma pulsão revolucionária frustrada na realpolitik (apenas levemente aparente em “Revolution Grant”) e talvez seja o jogo a que se entrega fruto da perda, o rosário de um melancólico.
Naturalmente a sinceridade, o objecto secreto da expressão “Real Deal” na única imagem da exposição é a primeira vítima mortal nesse mesmo jogo onde o primeiro passo é a constatação evidente da veracidade atribuída à declaração de que toda a arte é mercadoria. Esta imagem que nos lançou o enigma constitui-se como horizonte a partir do qual potencialmente podem libertar-se todas as farsas, labirintos, caprichos, ex-machina e os trompe l’oeil aplicados à vulgata literária da sociologia artística. O jogo atinge apenas a sua morte na regularidade visual da fonte tipográfica escolhida. Oculto o motivo, fica-nos a metodologia ou técnica e aí os recursos são amplos.
A crítica do “mundo da arte” ( "Artworld" ) reduzida a uma forma vazia e inefectiva joga-se entre a aparência de actualidade e o declaradamente fútil (How to Paint). A reforçar este jogo vem a própria inclusão ambivalente do “eu” ("Bored") nos enunciados; um “eu” que se percebe como biográfico e concreto justaposto a um “eu” como simples elemento de estrutura sintáctica. Na sequência desta estratégia de casa de espelhos (que fica bem aliás a um apaixonado por Hitchcock) e apesar da presença permanente nos trabalhos do “texto sobre arte e artistas”, todo o trabalho vai tendendo naturalmente para uma libertação em relação a este referencial aproximando-se então os seus objecto e método dos da poesia visual e concreta. No momento presente do qual a actual exposição é testemunho, as duas tendências contraditórias; por um lado a importância do referente crítico -entre a sinceridade e o slapstick verbal ("Big thing")- e do outro o jogo livre sobre linguagem (Allergy in the gallery), coexistem numa tensão permanente assumida pelo autor.
Ah! Fui eu que escrevi.