29.6.06

Amigos de Strauss (XVIII) Hugo von Hofmannsthal (2)

Logo a seguir ao estrondoso sucesso do Rosenkavalier (1911), Strauss e Hofmannsthal começaram a trabalhar em novos projectos. Hofmannsthal questionou Strauss sobre a possibilidade de uma espécie de conto-de-fadas simbolista à escala épica, algo que estivesse para A Flauta Mágica como o Rosenkavalier estava para As Bodas de Fígaro e numa carta lançou as fundações daquilo que seria mais tarde Die Frau ohne Schatten. Na mesma carta propunha também uma "ópera de Câmara" sobre o mito de Ariadne. Strauss que queria trabalhar sobre a Commedia dell'Arte, queria afastar-se da abstracção das personagens trágicas. Tinha demontrado a sua verdadeira veia com as personagens vivas e imortais do Rosenkavalier e imaginava-se o Offenbach do século XX; como tal demonstrou pouco entusiasmo no trabalho de Hofmannsthal sobre Ariadne. No progresso da composição da nova ópera decidiram então a introdução, num verdadeiro processo de collage do elemento buffo sobre o pano de fundo trágico. Zerbinetta e uma corte de arlequinadas, aparece então do nada em Naxos, em pleno mito, a cantar à desgarrada sobre o amor vadio e terreno contrastando com Ariadne abandonada personificante do amor sublime. Strauss desconfiava do simbolismo emergente e em voga e aplicou-se muito mais nas frivolidades de Zerbinetta do que nos climaxes extáticos entre Ariadne e Baco. A nova ópera, esse híbrido chamado Ariadne auf Naxos estreou em Estugarda em 1912. Era uma obra desequilibrada e Hofmannsthal propôs então uma revisão pela construção de um prólogo. Trabalhando na enormidade de Die Frau ohne Schatten, Strauss a princípio não entrou na proposta. Este processo esgotante entre visões diferentes dos mesmos trabalhos quase provocou um corte de relações entre ambos. Só quando a inspiração de um Hofmannsthal deprimido pela guerra secou é que Strauss se virou então para o prólogo. Ariadne auf Naxos estreou-se definitiva em 1916 com uma nova geração de sopranos a tomar forma com Maria Jeritza e Lotte Lehmann. A composição de Die Frau ohne Schatten arrastou-se durante a guerra e só em 1918 foi terminada. Em 1919 Strauss foi nomeado director da ópera de Viena, um cargo de enorme prestígio. Aí estreou a ópera, cujo complexo simbolismo esteve longe de agradar aos vienenses mergulhados nas urgências de um pós-guerra que nada tinha a ver com os conteúdos daquilo que, apesar de tudo, consiste numa obra prima musical. Die Frau ohne Schatten caiu no esquecimento; só em 1977 seria recuperada por Karl Böhm que lhe devolveu a apreciação merecida por uma produção exemplar. Strauss e Hofmannstahl voltaram aos mitos gregos desta vez com a epopeia de Troia. A ópera Die Aegyptische Helena, cheia de orientalismos artificiais e sem calor humano, estreada em 1928 em Dresden e cinco dias depois em Viena, mesmo com Fritz Busch na condução e Maria Jeritza no papel de Helena, foi um verdadeiro fracasso. Faltava um novo Rosenkavalier. Hofmannsthal prometeu-o, e em 1929 apresentou a Strauss o texto do primeiro acto do ópera que seria Arabella. Strauss, felicíssimo por ter reencontrado a sua melhor veia do dramaturgo vienense, a 14 de Julho respondeu com um telegrama: "Primeiro acto excelente, mil agradecimentos e felicitações". Hofmannsthal nunca o chegou a ler; a 12 de Junho o seu filho, Franz, suicidara-se. A dor e as fraquezas de doenças recentes foram-lhe fatais. Ao vestir-se para o funeral do filho sofreu um ataque de coração e morreu. Strauss, em choque, demorou a perceber a verdadeira extensão da perda de tal amigo e colaborador. A partir da composição da música para esse primeiro acto a presença de Hofmannsthal foi-se diluindo e diluiu-se também a fonte de inspiração do compositor. O primeiro acto de Arabella mantém-se como o último genial testemunho da produtiva amizade dos dois.

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