"o júri deliberou conceder o prémio EDP novos artistas 2007 a André Romão, justificando a sua escolha pelo equilíbrio entre o aspecto formal e narrativo do trabalho apresentado e pela capacidade de enfrentar e utilizar o espaço de um modo franco e generoso, abrindo-se ao espectador e aceitando e provocando a sua relação com a obra. estas qualidades anunciam a capacidade de desenvolvimento do trabalho futuro do artista, objectivo fundamental deste prémio (...) [André Romão] trabalha sobre o próprio meio e modo de fazer a arte construindo narrativas e reflexões a partir da exploração do desenho, da instalação ou da projecção de imagens-vídeo ou fotográficas que nos colocam numa evidente dimensão de melancolia."
As pizz têm uma legião de apoiantes. No meio de conversas, após a inauguração da edição deste ano dos prémios discutia-se entre alguns de nós (e eu era um dos piores) sobre o que revelaria a decisão da entrega do prémio este ano pela meia dúzia de seleccionados. Acreditei que o prémio seria das quatro raparigas; não foi e é pena.
Uma das recenções críticas que durante a investigação para a minha tese de mestrado li, referia-se a Corbusier e às suas opções para a contrução de um verdadeiro museu (utópico) para a arte moderna, como enfermadas por um "higienismo" misógeno acentuado, misógenia aliás que poderia ser apontada também como uma das pulsões secretas do projecto moderno. A minha questão com o "arquitecto" suiço não pretende, neste lugar, defender determinada posição perante a modernidade poética mas apenas sublinhar-lhe um cluster de aspectos; a limpeza, a higiene e o senso de conformidade que tiveram nesse período uma entrada física dissimulada no universo da produção estética.
Proponho que se reveja rápidamente, mas mesmo a passos largos, aqui, a industria cultural no século XX à luz destas questões. Se o surrealismo e certas tendências performânticas mais radicais que lhe sucederam exploraram o corpo, a podridão, os excrementos e a obscenidadede um modo claro e directo, nos EUA talvez como reacção a incontrolabilidade de Pollock desenvolve-se a gesta minimalista; "gesta" rigorosamente heroica. Objectos grandes, obscenamente grandes e limpos. Alguns (algumas) argumentariam "fálicos", ostentações de masculinidade autocomplacente, auto-voieurista. Escrevo isto exactamente para fazer um discurso de sentido contrário ao que fácilmente se faz em torno da raça ou do sexo quando o texto se encontra perante outra cor de pele, lingua, religião ou mulher. Não pretendo escrever aqui um líbelo "gender" porque se é eviente que o sexo do artista é sempre fundamental como agente de um acto de enunciação, exactamente por ser sempre fundamental, torna-se redundante e enfadonha a contínua encenação de debates em torno deste tipo de diferenças. As pizz são quatro mulheres tanto como podiam ser também dois casalinhos hetero ou 56 bombeiros de Almada; para além do tema "mulher" não ser de todo o objecto do projecto "casa", para aquilo que me interessa neste texto esta temática é irrelevante. É por outro lado a relação com a superfície, a expressão de trabalho, de esforço, a dispersão caótica, a tremenda e (para alguns) obscena ostentação de virtuosismo, que não é apanágio de nenhum sexo em particular, que me interessam objectivamente e por isso voltemos ao adjectivo limpo; limpinho; a brilhar de tal modo que se possa lamber e ao minimalismo; uma das consequências grandes do minimalismo foi a revolução que se operou na retórica expositiva de Arte. Como se sabe, este movimento artístico contemporânea da Jesus-land está na origem do white cube como ideal de espaço de exposição mas também na adjectivação pejorativa de slick art a certas e talvez já demasiadas manifestações limpinhas, bonitinhas, quietinhas e bem comportadinhas de arte contemporânea.
A máquina que faz "plim!" dos Monty Python (O Sentido da Vida) é uma genial estocada na retórica do gadget contemporâneo, retórica essa ministrada a colheres de sopa cheia pela instituição industrial da cultura contemporânea (adiante designada por IICC) sub-departamento muito activo e fundamental ao grande projecto civilizacional global protestante e capitalista. E avanço; a arqueologia Foucaultiana establece como o momento determinante na repressão dos instintos sexuais e o início da repressão e mecanização do controlo sobre o corpo e sobre a vida/morte, o desenvolvimento da primeira revolução industrial e do espírito capitalista intimamente ligada como se sabe desde Weber, ao espírito do protestantismo. Esta repressão consciente e inconscientemente organiza a ordenação do tempo e espaço para as manifestações, irrupções seminais e excrementais do individuo social.
A arte contemporânea como se viu, vê e em Portugal vai continuar a ver-se, está cheia de retórica e gadgets que fazem "plim!". Não é grave. Também a indústria pictórica holandesa do século XVII estava pejada de exemplos enfadonhos. O que me incomoda aqui e agora é a permanência do higienismo nos julgamentos e decisões sobre produção e encenação de poéticas. Obras acéticas para textos acéticos, textos acéticos que subjazem a expressões acéticas. Porque irrita? porque não me sinto em casa e porque nada disto se relaciona com o mundo. Para quem visitou a central do freixo onde estiveram alojados os prémios será fácil desenvolver no imaginário segundas partes deste texto. Faltaria falar do que tem sido a expressão institucional de arte contemporânea em Portugal; da "magia" operada pelo André Romão nos espíritos mais ascetas e monásticos; das muitas virtudes mas também das fragilidades do projecto "casa" das Pizz Buin; das questões sobre o que subjaz à auto-referencialidade da arte; dos pecadilhos e sucessos das curadorias de projectos de arte & etc; da melancolia. Fica para depois.
6 comentários:
Mas mesmo um modernista não consegue deixar de cagar nem um protestante consegue evitar a pulsão sexual descontrolada. Sob a superfície polida de uma pele imaculadamente branca, bem lavada e perfumada, há uma imensa estrutura de carne, sangue, ossos, veias e outras coisas nojentas de tão belas. Um gajo ou acredita na sua perspectiva da "coisa" ou, se pretende ser aceite e passar para o universo cor-de-rosa da crítica de arte, mais vale dedicar-se ao comércio de aves raras.
por mim teria ganho o Gustavo Sumpta ... foi o trabalho que mais me tocou pela verdade na sua simplicidade.
less is more!
Viva o modernismo... ahahahah.... less is more... essa é forte... essa é mesmo muito forte!
:-)
Bom... o espaço e a ponte são um bocado á Mies. Vi a retrospectiva do Sumpta no REAL e francamente gostei muito mais das performances do que do chão levantado muito compostinho. A primeira vez que o vi passei-me: "grande trabalho... o tigre a rosnar e o chão a eriçar-se todo com o medo! instalação-slapstick (Novo!, New!, Neu!)" só depois é que percebi que eram dois trabalhos independentes e voltei à terra.
Pois....mais do mesmo. Não ganha quem deveria e ganha quem não deve.
"Quem perde por fora ganha por dentro."
citaçao do livro-guia do bom SPMNI.
ass: - serviços da proteçao moral nacional e internacional.
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